Por Fabrício Brandão

Por Fabrício Brandão

domingo, 24 de janeiro de 2010

Saber aprender (*)

Pedro Demo, na primeira parte do seu livro “Saber Pensar”, mais precisamente no capítulo quatro, faz algumas observações sobre o que é aprender.

"é a maior prova da maleabilidade do ser humano, porque, mais que se adaptar à realidade, passa a intervir nela."(p. 47)

"é antes de tudo rechaçar a reprodução. Neste sentido é fenômeno reconstrutivo e político." (p. 47)

"é, em seu centro, saber fazer-se sujeito de história própria, individual e coletiva." (p.51)

Segundo ele, “(...) aprendemos do que já tínhamos aprendido, conhecemos a partir do que já sabíamos.” (p. 48)

Partindo de sua concepção, pode-se concluir que aprender é algo fundamental para que o homem se aproprie do conhecimento para que possa atuar conscientemente frente à realidade com o objetivo de transformá-la. Assim, ao aprender, ao apropriar-se dos conhecimentos produzidos por si mesmo, o indivíduo se torna sujeito de sua história, tanto individual quanto coletiva.

É fundamental estar claro que nenhuma pessoa pode realmente tornar-se crítica se não conhece, se não tem instrumentos para apropriar-se do conhecimento. A apropriação do conhecimento é uma via para o desenvolvimento da criticidade e, consequentemente, para o reconhecimento da realidade. Pedro Demo deixa transparecer exatamente isso ao longo de seu texto. Ele outorga à aprendizagem um sentido político, reconstrutivo e como algo capaz de instrumentalizar a autonomia do sujeito. Ele assinala:

a) Sobre seu caráter político:

"a aprendizagem é um fenômeno político, porque é inseparável da condição do sujeito interpretativo e interveniente, se tornando a base da autonomia." (p. 50)

b) Sobre seu caráter reconstrutivo:

"a aprendizagem é um fenômeno reconstrutivo; jamais pode ser reduzida à reprodução do conhecimento, mesmo que compareçam sempre e naturalmente componentes imitativos." (p. 50)

c) Sobre a instrumentalização da autonomia:

"(...) todos os artifícios didáticos, principalmente a aula, não podem ser mais que expedientes supletivos, que teriam como única razão reforçar a autonomia do aluno. Neste sentido, se pode fazer uma ligação direta entre saber pensar e saber aprender, porque revela o sentido da conquista da autonomia, dentro de um processo permanente de inovação crítica e criativa." (p. 51)

O parecer de Pedro Demo é pertinente e objetivo. E, mais ainda, deixa evidente que o ato de aprender é um ato político, pois o trata como uma necessidade essencial para que o indivíduo se conscientize de sua condição social e da necessidade de lutar coletivamente para mudá-la. Ele tem que alcançar sua liberdade que, “não pode ser imposta, mas negociada em sociedade. Saber aprender indica esta habilidade de rara maleabilidade, que ora precisa ser intransigente para marcar presença, ora transigente para conviver." (p. 53)

(*)Adaptado por: BRANDÃO, Fabrício Nereu.

Referência Bibliográfica

DEMO, Pedro. Saber Pensar. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000.

sábado, 23 de janeiro de 2010

José Martí, edcucador cubano...

“Educar es 'depositar' en cada hombre
toda la obra humana que le ha
antecedido: es hacer a cada hombre
resumen del mundo viviente, hasta el
día en que vive: es ponerlo a nível de
su tiempo, para que flote sobre él, y
no dejarlo debajo de su tiempo, con lo
que no podrá salir a flote; es preparar
el hombre para la vida.”

(José Martí)

sábado, 16 de janeiro de 2010

O currículo como um projeto educativo: seu caráter aberto e flexível

1- Por que compreender o currículo como um projeto educativo?

Um projeto pode ser compreendido como um plano de ação sistêmico e flexível elaborado para obter-se determinados fins que gerarão mudanças educativas empregando recursos materiais e humanos, como deve ser o currículo.
Sendo a escola uma instituição que prepara os jovens para o desenvolvimento de atividades na sociedade, pretende-se manter estreitas relações entre as atividades escolares e as demandas externas sociais. A necessidade do aluno tanto do ponto de vista do seu desenvolvimento como sua relação com a sociedade passam a ser pontos de referência na configuração de projetos educativos. A atenção aos processos educativos e não somente aos conteúdos é um novo princípio que apóia a concepção do currículo como algo que valoriza a experiência do aluno nas instituições escolares.
A escola é um espaço de decisão que deve estabelecer medidas mais concretas para o desenvolvimento de um projeto educativo que está preocupado com a melhoria constante da qualidade de ensino por meio do aperfeiçoamento dos professores.
Os meios para esse desenvolvimento vão desde a disponibilidade de uma biblioteca, a realização de seminários sobre temas concretos, a facilitação de conhecimentos diretos e indiretos de experiências educativas inovadoras com suas análises e discussões, que proporcionarão a dinamização entre investigação e ação.

2- Quais devem ser as preocupações sociais, pedagógicas e curriculares a serem incorporadas pela escola?

. Estreitar relações entre as atividades escolares e as demandas externas sociais.
. Tratar os conflitos sociais frente às distintas visões.
. Partir de um conceito amplo de cultura que exige a presença de educadores e o aproveitamento de diversos recursos comunitários.
. Ter um sentido democrático que implica a descentralização que sugere reverter o projeto educativo escolar para a comunidade a qual serve.
. Compensar as diferenças de origem dos alunos para enfrentar os conteúdos curriculares.
. Diversificar as exigências escolares para que as capacidades de todos tenham acolhida na escolaridade.
. Desenvolver valores de solidariedade por meio do conhecimento e das práticas pedagógicas.
. Suprimir a concorrência entre os alunos.
. Implementar um currículo comum para todos, superando as discriminações produzidas pela separação dentro do sistema escolar de especialidades curriculares diversificadas socialmente.
. Diagnosticar e trabalhar os problemas sociais relacionados com a juventude, que afetam diretamente as famílias e a sociedade, que exige atenção por parte da escola para preveni-los e criar uma consciência social frente aos mesmos. As escolas devem ser instâncias educativas para a comunidade e não locais para simples obtenção de diplomas ou creches infanto-juvenis.

3- Como deve ser um currículo aberto e flexível?

O currículo aberto se constrói e exige um tipo de intervenção ativa discutida em um processo aberto por parte dos atores participantes, dos quais está a cargo: professores, alunos, pais, forças sociais, grupos criadores intelectuais, para que não seja uma simples reprodução de decisões e modelações.
O currículo aberto deve contribuir para o interesse emancipatório e deve ter um núcleo comum para todos e uma parte complementar e diferenciadora.
O núcleo comum deve dar resposta às funções homogeneizadoras do currículo e a parte diversificada tratar das diferenças, tendo como objetivo dar espaço para os interesses distintos ou para suprir desiguais níveis de exigência acadêmica.
A escolaridade obrigatória pode permitir a oportunidade de desenvolvimento variado em objetivos e conteúdos comuns a todos, abordando as suas peculiaridades. O currículo comum será menos coercitivo e mais flexível se possibilitar a expressão das diferenças em métodos diversos e permitir aos alunos escolher atividades e conteúdos que serão desenvolvidos.
O currículo aberto e flexível deve ser uma prática sustentada por uma reflexão. Um plano construído através da interação entre o refletir e o atuar, dentro de um processo que compreende o planejamento, a ação e a avaliação. Deve proporcionar que os alunos se convertam em sujeitos ativos e participantes de seu próprio saber.

4- Por que ele deve ser assim?

. Porque o conteúdo a ser transmitido não poderá ser feito a todos os alunos de uma mesma forma, ele tem que ser ordenado de acordo com suas dificuldades e realidades.
. Porque a fonte do currículo é a cultura que emana de uma sociedade.
. Porque o currículo deve responder as necessidades sociais. “ Veja o que os homens fazem na vida real e saberemos o que deve ser o conteúdo de sua escolaridade”. (Sacristán, 1996, p. 155).
. Porque o currículo tem uma relatividade histórica. Ele representa um determinado momento histórico.
. Porque ele deve oferecer uma visão da realidade como processo de mudança, cujos atores são os seres humanos, os quais estão em condições de realizar sua transformação. De acordo com Sarup (1990), citado por Sacristán: “A função do currículo não é refletir uma realidade rígida, mas pensar sobre a realidade social, é demonstrar que o conhecimento e os fatos sociais são produtos históricos e conseqüentemente, que poderiam ser diferentes (e que ainda podem sé-los)”. (Sacristán, 1996, p.157).
. Se o conhecimento muda com lentidão e às vezes radicalmente, os currículos não podem ser dogmas. Se o conhecimento constrói-se e se revisa, a educação, o currículo que o representa como indiscutível seria um contra-senso.” (Sacristán, 1996,p.158).
. Porque o tempo e o espaço não podem ser rígidos, tem que ser flexíveis e adaptáveis à realidade da escola e dos alunos.
. Para permitir a organização de projetos de trabalho que levem em conta as necessidades reais do aluno e de sua comunidade.
. Porque a relação ensino-aprendizagem é dinâmica e pressupõe mudanças e adaptações.

Referências Bibliográficas

. HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: ARTMED, 1998.
. SACRISTÁN, Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
. SACRISTÁN, Gimeno; GÓMEZ, Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ARTMED, 1996.
. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Discurso proferido em homenagem aos formandos do curso de Pedagogia/2009 da UNIPAC-Itabira

Este é um dia notadamente especial.

No percurso de nossas vidas sonhamos, planejamos, estabelecemos metas e rumamos à procura daquilo irá nos completar, seja no âmbito pessoal ou profissional.

Aqui encontramo-nos, formandos, familiares, professores, para selarmos uma conquista de vocês que acabam de se formar. Conquista essa que interfere na condição humana de cada um, porque a educação possui esse poder. Todos aqueles que dela desfrutam tornam-se mais humanos, afinal o processo educativo pressupõe aprendizagem, socialização, desenvolvimento da capacidade reflexiva e formação ética. Hoje, vocês, formandos, meus afilhados com muito gosto, completaram mais um ciclo de formação. Tornaram-se mais humanos e estão mais preparados para cumprirem as exigências da sociedade contemporânea, que cobra de nós o preparo profissional para adentrarmos no mundo do trabalho.

E que opção! Ser educador!

Tarefa não muito fácil nos dias atuais, mas fundamental se deseja-se sonhar com um mundo mais justo, fraterno e ético. Assumir a responsabilidade em participar da formação do outro é para poucos! Não são tantos assim os que se dispõe a dominar princípios teóricos que serão utilizados em prol da formação de toda uma sociedade, porque isso envolve entrega, aceitação do outro como ele é, e a crença sempre constante de que mudar é possível. O educador, seja ele professor ou pedagogo, não é um super-homem ou uma mulher-maravilha, é um sujeito sócio-cultural como cada um o é, indistintamente. Possui fraquezas, carências, se irrita, ama, chora, odeia... Por vezes fica insatisfeito com a condição profissional a que está submetido, com o salário... Mas ele é diferente! Ele crê acima de tudo nas potencialidades humanas e trabalha para que elas se sobressaiam. Por isso, formandos-afilhados, vocês são diferentes! E me orgulho muito disso! Isso foi o que nos aproximou desde o primeiro instante!

Eu, na condição de professor, crente das suas potencialidades. E vocês, na condição de alunos, crentes na minha capacidade, assim como na dos demais professores, em contribuir junto à formação de cada um. Educar é isso! É crença, troca, confiança!

Recordo-me, por vezes, nesse processo de ensino-aprendizagem-convivência, de características bem peculiares desta turma que ora se forma. Não gostaria aqui, e nem teria tempo para isso, de remeter-me a cada um. Prefiro de forma geral, lembrar-lhes de algumas características que representam a todos vocês na coletividade, mas que necessitam estar presentes em cada um de forma individual. Não obstante, uma andorinha só não faz verão, não é mesmo?

A primeira característica que me recordo refere-se à sede de conhecimento. Como vocês procuraram conhecer!

A segunda refere-se à capacidade reivindicativa. Como vocês reivindicavam!

A terceira está relacionada ao cuidado com que vocês encaminhavam as questões conflitantes. Como vocês foram diplomatas!

A quarta vincula-se ao comprometimento e companheirismo. Como vocês se comprometeram uns com os outros!

E a quinta refere-se ao desejo de sempre fazerem o melhor. Como vocês foram zelosos!

Destaquei essas cinco características, porque elas são fundamentais para a condução de qualquer processo no contexto da vida humana e elas se fizeram e precisam continuar presentes na vida de cada um.

Nunca percam a sede de conhecimento. Quem conhece se coloca melhor frente à realidade e o conhecimento não cessa nunca!

Nunca deixem de reivindicar. Quem reivindica abre a possibilidade para que novos horizontes surjam!

Nunca abram mão de serem mediadores de conflitos. Quem media contribui para que as soluções se apresentem!

Nunca deixem de ser companheiros. Aquele que se associa aos outros transforma a realidade!

E, por fim, façam sempre o melhor que puderem! Quem faz o melhor se auto-realiza e contribui para a realização do outro!

SEJAM FELIZES e SONHEM SEMPRE! Porque como escreveu Paulo Freire, “ai daqueles e daquelas que pararem com sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem, de denunciar e de anunciar”.

Por isso, sonhem, inventem, denunciem, sejam corajosos, anunciem e façam a diferença!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Idéias para se refletir acerca do currículo

Toda prática pedagógica estrutura-se partindo da existência de um currículo que acaba por estabelecer um determinado caminho a ser percorrido no contexto do processo educativo. Todavia, pouco se discute ou se reflete sobre o currículo no cotidiano escolar, o que acaba por desvinculá-lo da realidade daqueles que o vivenciarão no ambiente da sala de aula. Daí que se propõe algumas idéias para se refletir acerca do currículo, a saber.

“Currículo não se refere ao que o estudante fará em uma situação de aprendizagem, mas sim ao que será capaz de fazer como consequência do que aprendeu... Currículo se relaciona com resultados e não com episódios de aprendizagem.” (Johnson)

“Um currículo é um projeto educacional que define:
a) Os fins, as metas e os objetivos de uma ação educacional.
b) As formas, os meios e as atividades a que recorre para alcançar esses objetivos.
c) Os métodos e os instrumentos para avaliar em que medida a ação têm produzido frutos.” (D’Hainaut)

“O Currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas.” (Grundy)

“O conteúdo é condição lógica do ensino, e o currículo é, antes de mais nada, a seleção cultural estruturada sob as chaves psicopedagógicas dessa cultura que se oferece como projeto para a instituição escolar. Esquecer isso supõe introduzir-se por um caminho no qual se perde de vista a função cultural da escola e do ensino. Um ponto fraco de certas teorizações sobre o currículo reside no esquecimento da ponte que deve estabelecer entre a prática escolar e o mundo do conhecimento ou da cultura em geral.” (King)

“Numa sociedade avançada, o conhecimento tem um papel relevante e progressivamente cada vez mais decisivo. Uma escola ‘sem conteúdos’ culturais é uma proposta irreal, além de descomprometida. O conhecimento, e principalmente a legitimação social de sua possessão que as instituições escolares proporcionam, é um meio que possibilita ou não a participação dos indivíduos nos processos culturais e econômicos da sociedade, ou seja, que a facilita num determinado grau e numa direção.” (Gimeno Sacristán)

“O Currículo é o que tem atrás toda educação, transformando suas metas básicas em estratégias de ensino. Tratá-lo como algo dado ou uma realidade objetiva e não como um processo no qual podemos realizar cortes transversais e ver como está configurado num dado momento não seria mais que legitimar de antemão a opção estabelecida nos currículos vigentes, fixando-a como indiscutível.” (Lundgren)

“Um currículo é uma tentativa para comunicar os princípios e traços essenciais de um propósito educativo de forma tal que permaneça aberto à discussão crítica e possa ser transportado efetivamente para a prática.” (Stenhouse)

Toda reflexão pressupõe análise, crítica e tomada de decisão. Assim, idéias postas, cabe a cada um avaliar qual concepção de currículo vigora no ambiente escolar, considerando seu universo particular. Algumas aqui foram colocadas, outras tantas existirão. Quiçá, dessa avaliação perspectivas mais inovadoras de currículo não possam surgir.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Por que se falar em aprendizagem na escola?

Considerando a prática que desenvolve-se no cotidiano escolar e os entraves que dificultam o aprimoramento da aprendizagem, é comum se deparar com uma dupla realidade: a primeira é que muitos professores não compreendem como os alunos aprendem; e a segunda é que os alunos não se sentem responsáveis por sua própria aprendizagem. Disso resulta a precária formação de alguns alunos, que não conseguem aprender na escola e dela saem desestimulados a manterem uma relação mais duradoura com o conhecimento.

Assim, faz-se urgente tanto uma reorientação de nosso sistema educativo quanto do processo de formação dos professores, inicial e continuada. Permanecer achando que o fracasso escolar não tem uma causa efetiva ou que ele é fruto do descaso governamental e da desestruturação familiar não soluciona o problema. Sua solução poderia começar por meio de uma reflexão sobre o que a escola faz para compreender porque os alunos que estão em seu interior não aprendem, procurando desmistificar questões que envolvem tal processo. O que não se pode é continuar perpetuando a idéia de que o fracasso escolar tem uma causa que é externa à escola exclusivamente. Isso só favoreceria o descompromisso e o agravamento de tal situação.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Apesar de tudo, não é a vitória que deve alimentar nossa luta...

“Certa ocasião, um exército, armado até os dentes, marchou contra uma infeliz aldeia. Homens e mulheres fugiram esbaforidos; somente um menino, com uma espadinha de madeira, ficou às suas portas.

O comandante das tropas avançou com cuidado, observou surpreso que o menino estava só, sorriu e perguntou vitorioso:
- Menino, pode você acreditar deveras que vencerá, sozinho, meu temeroso exército?

O menino respondeu:
- Eu sei que não vou vencer o seu exército, mas quero que o senhor saiba de que lado estou!

Na luta contra o ‘Coisa Ruim’, quem sabe reste a nós educadores, não a vitória, mas o massacre histórico. Talvez não devamos lutar pela premiação final, nem mesmo pelos louros e escalpos... Podem ser irrisórios.
Podem não valer a pena.
Muitos contaram com recompensas de vitória; desenganados, após dias e anos, deixaram nossas fileiras e engrossaram a caravana dos ‘vencedores’.

O que pode e certamente deve alimentar nossa luta e nossa paixão – que não tem preço – é o sonho de que todos saibam, sobretudo os opressores, claramente, de que lado estamos!

Não arredaremos pé do nosso compromisso de fidelidade cotidiana com a vida, com a verdade e com os massacrados e excluídos. Manteremos nossa reserva ético-política em favor da vida.

Quem sabe nossa vitória final seja exclusivamente nossa resistência.”

(Passos, Luiz A. Duelo de Durango Kid contra o ‘Coisa Ruim’: ou os massacres do neoliberalismo. In: Revista de Educação AEC. Nº 100. Brasília: AEC, 1996.)

A função social da escola

Em uma primeira análise pode-se dizer que a escola reflete um processo sócio-cultural e tem a função de transmitir os conhecimentos e os modelos de comportamento que justificam uma determinada estrutura social. Ela transmite idéias, valores e o saber acumulado pela sociedade ao longo da história. É fundamental que fique claro que esta transmissão não ocorre desvinculada da política e da economia. A sociedade, ao desenvolver-se sobre estas bases, necessita que sua estrutura seja reproduzida e perpetuada valendo-se da escola como fonte desta reprodução. Entretanto, para compreender qual é a função social da escola, é necessário conhecer em que contexto desenvolveram-se as relações humanas e quais são as bases políticas e econômicas que as fundamentaram.

No Brasil, a educação desenvolveu-se sobre as bases do capitalismo, que impôs nela seus traços essenciais criando um sistema escolar que parte da idéia classista de sociedade, que é típica deste modelo econômico. Partindo dele, a escola estrutura-se de maneira dual: uma que serve à elite e outra que serve aos trabalhadores. Todavia, a educação que se produz nas duas não têm interesses diferentes, têm somente um: formar uma elite que conhece a lógica que regula a sociedade para que ela, a elite, possa manter-se no poder. Para os trabalhadores destina-se uma educação elementar, básica e de baixa qualidade.

Segundo as idéias de Arroyo, a sociedade capitalista criou um sistema de ensino marcado por interesses de classe e não foi estruturado para servir aos trabalhadores, “(...) para os filhos das camadas médias e das elites se destinou um sistema de ensino que prepara para as artes, as letras, o saber superior; enquanto que para os filhos das camadas populares, se destinou um sistema paralelo de moralização elementar, de educação integral básica (pouca ensino), que vinculava, para a integração social, o trabalho e a produção, para os trabalhadores manuais e os cidadãos marginalizados”. (ARROYO, 1997, p. 37)

Nesses termos, a escola, que poderia ser um espaço da fermentação da transformação social, não o é. Ela acaba por reproduzir o “status quo”, refletindo os interesses da camada dominante. Ela “cria” o homem que a sociedade classista deseja criar: um homem individualista e bem adaptado à competitividade. Mais ainda, forma o homem apenas para servir ao mercado de trabalho, que vai selecionar aqueles que se converteram nos melhores dentro de um sistema educacional excludente que não concede a todos as mesmas oportunidades. Desta forma, “se desaprova a escola por ser ao mesmo tempo inadaptada à sociedade e demasiadamente bem adaptada a uma sociedade injusta”. (CHARLOT, 1983, p. 150)

Sendo assim, no desenvolvimento do processo educativo, é necessário que os educadores se façam as seguintes perguntas:

Para que educar?
Para que ensinar?

A resposta a estas duas questões pode contribuir para se chegar até o verdadeiro sentido da escola hoje em dia, porque o significado que tem estas duas vertentes dentro do contexto educativo não é o mesmo. Ao educar se está cumprindo com uma etapa do processo educativo, que exige o desenvolvimento de valores, sentimentos e atitudes. Ao ensinar cumpri-se com outra. Aquela que se incumbe de instruir e aproximar os estudantes dos conhecimentos produzidos socialmente. Entretanto, as duas são fundamentais e se transformam no verdadeiro fim da educação e logicamente, da escola.

Se por um lado não é possível formar uma sociedade de bem instruídos sem que ela desenvolva valores, sentimentos e atitudes coletivas com seus semelhantes, nem formar um homem que não tenha uma convivência mais solidária e justa com os seus pares; por outro, não é possível deixar de aproximar essa mesma sociedade dos conhecimentos científicos que são socialmente importantes e que podem ajudá-la em seu processo de emancipação, concedendo-lhe condições para analisar criticamente a realidade com o intuito de transformá-la. Ao deixar de cumprir com um desses papéis a escola estará oprimindo e não contribuindo para a libertação dos homens.

Então, a escola terá uma função muito mais relevante: preparar o homem para a vida. Se hoje, nos moldes do capitalismo, se exige um homem capacitado e que tenha conhecimentos mais amplos sobre o processo produtivo, a escola tem que formá-lo. Todavia, os espaços de conhecimento têm que ser dinamizados para que o homem atue com uma visão mais crítica, questionadora e criativa frente à realidade. Ela tem que formar um homem preparado para entender e enfrentar a dinâmica social excludente e opressora que configura-se dentro desse mesmo modelo, sem perder de vista a atuação coletiva que deve estruturar-se na solidariedade e na cooperação. Portanto, “é preciso transformar a vida da classe e da escola, de modo que se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos, que levem à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações com o conhecimento e a cultura, que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação”. (SACRISTÁN y GÓMEZ, 2000, p. 26)

Não é possível legitimar uma escola que desvincule a produção do conhecimento da vida cotidiana dos educandos, ao mesmo tempo que não é possível conviver com uma escola que não os prepare para desempenhar seu papel na luta de classes. Se a sociedade classista se estrutura de maneira desigual e estabelece uma tensão entre os grupos que a compõem, a escola, sem dúvida, vai refletir essas tensões, pois a educação é determinada pelas realidades sociais. A escola deve partir delas para ter um caráter libertador. Precisamente, ela deve partir da realidade social em que encontra-se o educando para que ele saiba qual é o seu papel dentro do meio social e conheça a estrutura de dominação e os interesses a que está submetido. Partir da realidade social dos educandos é dar um passo mais além desta estrutura opressora, excludente e marginalizadora, na qual ele se encontra. Mais ainda, se o modo de vida do homem está vinculado ao seu papel social e ao lugar que ele ocupa na sociedade, a escola deve trabalhar para ampliar a sua capacidade de análise e crítica, para que ele possa, a partir de sua vivência, mudar esta situação. Ela deve, de acordo com Hugo Assman, desenvolver vivências personalizadas de aprendizagem.

A escola, como uma instituição social emancipatória, deve proporcionar aos estudantes o acesso incondicional ao saber, para que este se transforme na ferramenta fundamental da mudança. Entretanto, ele não pode ser apresentado de maneira isolada da realidade social, pelo contrário, deve ser apresentado como saber que foi produzido pelos homens e que pode, por isso, servir a sua emancipação.

Partindo deste caráter, a escola deve:

“(...) Preparar os estudantes para desempenhar seu papel na luta de classes;
Prepará-los para a cooperação e o conflito;
Dar-lhes uma formação científica e técnica de alto nível;
Denunciar o mito da igualdade de oportunidades;
Ajudar-lhes a refletir sobre as necessidades sociais prioritárias;
Esforçar-se por transformar as relações sociais, sabendo que as transformações são
limitadas pela base econômica.” (CHARLOT, 1983, p. 243)

Qualquer pretensão educativa que não esteja vinculada a esta realidade terá um caráter mistificador, estará servindo aos interesses das elites, que têm somente um objetivo: exercer sua dominação sobre as massas para que possam reproduzir-se como classe dominante opressora. É função da escola, desmascarar esta ideologia classista que submete os trabalhadores a todo tipo de exploração e alienação.

Ter em conta que a ideologia está presente na estruturação da sociedade e que, portanto, forma parte da realidade escolar, é uma questão essencialmente importante para que no espaço educativo se criem condições para se divulgar uma contra-ideologia, ou seja, para se questionar o “status quo” e as verdades que são divulgadas como universais e que muitas vezes têm um caráter classista, ao representar os interesses da classe social dominante.

O que se pode entender por ideologia?

Ao dizer de Maria Lúcia de Arruda Aranha, “a ideologia é o conjunto de representações e idéias, assim como as normas de conduta, pelo meio das quais o homem é levado a pensar, sentir e atuar de uma determinada maneira, considerada por ele correta e natural”. (ARANHA, 1996, p. 31)

De acordo com Henry A. Giroux, citado por Maclaren, “(...) a ideologia se refere à produção de sentidos e significados. Pode descrever-se como uma forma de ver o mundo, um complexo de idéias, diferentes tipos de práticas sociais, rituais e representações que tendemos a aceitar tanto como naturais, como de sentido comum.” (MACLAREN, 1994, p. 90)

O homem submetido ao domínio ideológico não realiza por ele mesmo a análise crítica que deveria desenvolver sobre o seu quefazer, incorporando sem a reflexão tão necessária as verdades capitalistas que são tidas como universais e pertinentes a todas as classes sociais sem distinção. Daí que, o homem-trabalhador vê-se alienado, abandonando o centro de si mesmo. Ele não se vê como produtor daquilo que ele mesmo realiza. É uma verdade que a escola não é a fonte da ideologia e da alienação, entretanto, acaba contribuindo para divulgá-la, pois não contribui para desenvolver o pensamento crítico-reflexivo e se mantêm como um centro reprodutor das idéias que somente servem para manter o “status quo”.

Analisando os fundamentos de Bernard Charlot, conclui-se que a escola têm um caráter ideológico porque contribui para a eliminação da significação social da educação em proveito da cultura, subordinando as realidades sociais à educação cultural. A escola justifica também a desigualdade social pelas diferenças naturais entre as pessoas, o que caracteriza uma forma de atuação ideológica.

A escola, como um centro de libertação dos homens, deveria romper com esta estrutura mistificadora e alienante ao divulgar os verdadeiros interesses da elite que, para manter-se no poder, necessita oprimir e explorar os trabalhadores em um sistema que se auto-determina democrático ao privilegiar a liberdade individual e a livre escolha.

A escola tem que romper com esta estrutura e possibilitar que os trabalhadores atuem criticamente na procura pela minimização da desigualdade social. De acordo com Sacristán y Gómez, ela deve “organizar o desenvolvimento radical da função compensatória das desigualdades de origem, mediante a atenção e o respeito pela diversidade; preparar os alunos para pensar criticamente y atuar democraticamente em uma sociedade que não é democrática”. (SACRISTÁN y GÓMEZ, 2000, p. 22)

Esta é uma realidade: ou a escola transforma-se em um agente da transformação social ou vai perpetuar sempre a estrutura capitalista, que é desigual e não emancipatória. Ela não cumprirá, portanto, com uma de suas principais funções: ser um espaço para a prática da liberdade.

Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. Editora Moderna. São Paulo. 1996. 2ª ed.
__________Filosofando: Introdução à Filosofia. Editora Moderna. São Paulo. 1995. 2ª ed.
ARROYO, Miguel. Da Escola Carente à Escola Possível. Edições Loyola. São Paulo. 1997. 4ª ed. 183p.
ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: Rumo à Sociedade Aprendente. Editora Vozes. Petrópolis. 2000. 4ª ed. 251p.
CHARLOT, Bernard. A Mistificação Pedagógica: Realidades Sociais e Processos Ideológicos na Teoria da Educação. Zahar. Rio de Janeiro. 1983. 2ª ed. 314p.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Melhoramentos. São Paulo. 1978. 11ª ed. 91p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 2001. 19ª ed. 165p.
__________Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos. Editora UNESP. São Paulo. 2000. 134p.
__________Educação como Prática da Liberdade. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1996. 22ª ed. 158p.
__________Educação e Mudança. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1999. 23ª ed. 79p.
__________À Sombra desta Mangueira. Olho D’água. São Paulo. 1995.
__________Cartas à Cristina. Paz e Terra. São Paulo. 1994.
__________Pedagogia da Esperança. Um Encontro com a Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. São Paulo. 1992.
__________Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1987. 17ª ed. 184p.
GIROUX, Henri. Cruzando as Fronteiras do Discurso Educacional: Novas Políticas em Educação. ARTMED. Porto Alegre. 1999. 298 P.
__________Os Professores como Intelectuais Transformadores. ARTMED. Porto Alegre.
__________Las Escuelas Públicas como Esferas Democráticas. En: GIROUX, H. La Escuela y la Lucha por la Ciudadanía. Siglo XXI. México. 1993.
HADJI, Charles. Pensar e Agir a Educação. ARTMED. Porto Alegre. 2001.
MACLAREN, Peter. El Surgimiento de la Pedagogía Crítica y La Pedagogía crítica: Una Revisión de los Principales Conceptos. En: MACLAREN, Peter. La Vida en las Escuelas: Una Introducción a la Pedagogía Crítica en los Fundamentos de la Educación. México. Siglo XXI. 1994.
SACRISTÁN, Gimeno e GOMÉS, Pérez. Compreender e Transformar o Ensino. ARTMED, Porto Alegre. 2000.